Por Alexandre Araujo Bispo
Faz já algum tempo que a artista Renata Felinto tem interesse pelo rosto como forma característica da noção de retrato. Analisando seus trabalhos retrospectivamente é possível ver como a dimensão social do rosto é o que lhe interessa.
Entre 2001 e 2002 ela cria a Série “Re-Existindo” na qual problematiza o desejo de auto-representação fotográfica de homens e mulheres negras em um país que lhe negou o direito de ver-se a si próprio. Bastaria lembrar aqui a obra do fotógrafo Cristiano Júnior que no século 19 registrou negros associados às suas tarefas manuais. A artista faz isso produzindo um retrato coletivo dos membros de sua família. O nome do trabalho é sugestivo: Iguais tão diferentes, 2001. Nessa obra vemos apenas uma pessoa identificada por sua profissão ─ militar ─ então atividade comum a muitos negros no país.
Figura 1: Iguais tão diferentes, 2001. Decalque, lápis dermatográfico, grafite e incisões sobre cartão 19 x 24 cm.
Entre esse trabalho e os Afro-retratos Felinto presenteou moradores de rua com retratos emoldurados, como se lhes restituísse no espaço público do desprezo social e político a casa, opondo-se a rua, seria o afeto, o conforto afetivo, o diálogo.
Figura 2: Série Casa, 2004/2011, fotografia.
Figura 3: Série Casa, 2004/2011, fotografia.
A partir de 2010 a artista inicia um trabalho mais complexo no qual ecos de sua reflexão anterior retornam, agora com enorme força expressiva. Ela atualiza por meio de uma espetacularização cromática a potência do rosto feminino de fenótipo afro, manipulando um imaginário social que tende a reduzir as culturas africanas e afro-brasileiras à alegria barroco-carnavalesca. Mas, para além da beleza plástica de suas atraentes figuras o que se investiga aqui são as possibilidades de muitas mulheres em uma só, na medida em que o trabalho é fruto da pesquisa de adornos estéticos femininos provenientes de culturas asiáticas, americanas, europeias e africanas. Renata afirma que certos dramas locais, são na realidade universalmente vividos por mulheres, nesse sentido seus “Afro Retratos” vão muito além do apelo estético, da superfície estampada e festiva. A artista retrata mulheres de diferentes culturas, com trajes étnicos, mas todas elas afro-representadas.
Figura 3: Sem título, da série Afro-retratos, 2011. Acrílica, guache, pastel seco, adesivos e apliques sobre papel Fabriano, 100 x 72 cm.
Alexandre Araujo Bispo
Critico, curador e pesquisador
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrando do Programa de Pós Graduação do Departamento de Antropologia Social da FFLCHUSP.